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12 de jun. de 2012

Saúde Urgente!

Fonte: Folha Universal
publicado em 10/06/2012 às 00h00.
Saúde urgente!
Cidades nos rincões do País oferecem salários superiores a R$ 7 mil e não conseguem contratar médicos. Há casos em que disputa por profissionais vira "leilão". Nos grandes centros, salários baixos, falta de estrutura e equipamentos afastam os médicos da rede pública. Pacientes sofrem (ou morrem) sem atendimento
Gisele Brito
gisele.brito@folhauniversal.com.br


Atendimento precário. O sistema de saúde no Brasil, apesar de ser um dos mais abrangentes e ousados do mundo por propor a universalização do atendimento, é um mar de problemas. A falta de investimentos, de gestão e de profissionais de saúde são apontadas como as principais causas para cenas, infelizmente recorrentes, de caos. No último dia 30, por exemplo, uma médica chegou ao desespero e protestou aos gritos diante de uma sala de espera lotada, no Hospital Rocha Faria, em Campo Grande (RJ).

Ela era a única para atender centenas de pessoas. A médica afirmou que além da ausência de três colegas ao plantão, as dificuldades eram ainda maiores, porque o Hospital Pedro 2º, que deveria atender parte daqueles pacientes, não o fazia por falta de macas. "A saúde está zerada, os pacientes estão à míngua e estão morrendo", disse em entrevista à Rede Record. Já em Brasília um homem de 51 anos morreu em sala de emergência do Hospital Regional do Guará. A família alega falta de atendimento. A polícia investiga.

 A falta de médicos, no entanto, nem sempre significa apenas a ausência ocasional de um profissional que não comparece por razões pessoais, de saúde ou por pura irresponsábilidade. Em muitas cidades do Brasil, principalmente aquelas localizadas longe dos grandes centros, a dificuldade em contratar médicos é enorme. A situação é tão grave que o Governo vem tentando incentivar a interiorização dos profissionais, mas não tem obtido grandes avanços. Enquanto isso, a população continua sendo penalizada.

O Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), por exemplo, lançado este ano, oferecia várias vantagens aos médicos que encarassem o desafio de ir para uma das 1.228 cidades em que havia falta de profissionais. Só 1.460 médicos se candidataram às vagas e 233 cidades não foram escolhidas por nenhum deles.
Cidades como Jordão (AC) não conseguiram contratar um médico para fazer atendimento indígena. A cidade tem mais de 5 mil km² de extensão e 6.577 habitantes. A Secretaria de Saúde acredita que três médicos poderiam fazer o atendimento dos munícipes. Enquanto um viajaria para atender os ribeirinhos, o segundo cuidaria dos indígenas e o outro ficaria na área urbana. Mas em função do desinteresse de profissionais, apenas dois médicos dividem o trabalho. Com isso, a população que mora no entorno dos rios que cortam a cidade tem de esperar 20 dias para receber a visita de uma equipe médica. Sem atendimento , os indígenas procuram a área urbanizada, o que sobrecarrega ainda mais o sistema.


A vaga que não foi preenchida teria salário de R$ 7 mil, segundo a secretária da Saúde da cidade, Leila Lopes. Ela acredita que o isolamento do município é a principal razão para o desinteresse. "Para chegar à cidade mais próxima daqui é preciso voar 50 minutos de monomotor. As passagens custam R$ 400. Não há ligação por terra ou rio. A pessoa tem que decidir que vai ficar ilhada aqui. Por isso, o atrativo tem de ser dinheiro", afirma.

Leila diz que em toda a Região Norte, a demanda por médicos é maior que a disponibilidade de profissionais, por isso eles exigem receber salários que vão de R$ 15 mil a R$ 20 mil. "São valores impraticáveis, os municípios não têm condição. Pagamos R$ 7 mil e o Governo do Estado completa o restante."

Apesar de ter condições completamente diferentes, Diadema (SP) enfrenta o mesmo problema. Uma vaga oferecida por meio do Provab não foi preenchida. Segundo Aparecida Pimenta, secretária da Saúde do município e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), o salário oferecido era de R$ 5,9 mil. Para ela, há duas razões para que mesmo uma cidade de grande porte como Diadema não consiga contratar: o desinteresse pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a alta expectativa em relação à remuneração. "A avaliação que temos é que hoje a quantidade de médicos interessados em trabalhar no SUS é menor que a necessidade. Além disso, eles querem se especializar em áreas que têm valorização no mercado privado tanto do ponto de vista do salário quanto do status", diz.

Para o Ministério da Saúde, faltam médicos formados no País. Para a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), faltam incentivos para que o médico vá para o interior, como salários e planos de carreira. Para o Conasems, falta infraestrutura nas cidades para atrair os profissionais. E para os médicos, falta segurança nos contratos de trabalho, que, em sua maioria, são selados de maneira informal.

Segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil, lançada em 2011 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), existem quase 371,8 mil médicos no Brasil. Em média, 1,95 a cada mil habitantes. Número acima da média apontada como ideal pela Organização Mundial de Saúde (OMS). "Mesmo assim, há cidades em que não há um médico sequer", afirma Waldir Cardoso, secretário de comunicação da Fenam. Segundo o Ministério da Saúde, apenas quatro cidades não têm oficialmente nenhum médico no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. "O que existe é um problema na distribuição dos médicos pelo País. Isso ocorre porque não há uma política sustentável para levá-los para o interior, o que já existe para juízes e militares, o que garante a eles vantagens em relação aos que estão em grandes centros", exemplifica Cardoso.

A pesquisa da CFM confirma a tese de Cardoso. Em Brasília, para cada mil habitantes há 4,2 médicos. No Maranhão, cada médico é responsável por quase 2 mil pacientes (veja no infográfico acima).

No Acre, o número de médicos atende ao recomendado pela ONU, 1 para cada mil, no entanto, a maioria deles fica nos grandes centros, como aponta o levantamento da CFM. Nenhum dos 27 Estados têm menos de 1 médico por mil habitantes em sua capital. "É um problema. Estamos tentando construir alternativas. Aumentar, até 2014, 4 mil vagas de residências médicas dando prioridade a formação de neurocirurgiões e cardiologistas e outras especialidades com carência nas regiões mais necessitadas", diz Mozart Salles, secretário de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, do Ministério da Saúde. Com tanta desigualdade e demanda, Cardoso admite que nos rincões do Brasil, são comuns os leilões de médicos. "É uma prática. Em cidades vizinhas, uma diz que paga tanto, o médico diz isso para o gestor da outra cidade e ele oferece o tanto mais x", afirma. A secretária de saúde de Jordão confirma: "Na minha cidade não ocorre. Mas tem isso em municípios que têm acesso terrestre. É uma realidade. Hoje tem médico e amanhã não tem mais, porque o outro município o rouba".

Sem heroísmo e sem ilusões

O ortopedista Maurício Ayres de Oliveira, 36 anos, que recusou boa oferta do Acre pela estabilidade em Belém (PA), deixa claro que ao escolher a medicina pensou nas possibilidades de ascensão profissional que o mercado da saúde oferece. "Nunca fui só idealista. Sempre achei que me relacionava bem com as pessoas, e achava isso importante para a profissão. Queria ganhar dinheiro", diz. "Os salários em muitas prefeituras, para jornada de 40 horas, é de R$ 1.200. É muito pouco. Você precisa fazer plantão para tirar um extra. Só que é de noite, você não dorme e trabalha no dia seguinte. Quando a gente se forma, espera que o plantão seja passageiro. A ideia é ter consultório e pacientes suficientes para fazer um congresso anual." Foi em busca de bons salários que Oliveira se aventurou em cidades distantes de grandes centros. Ainda na faculdade, participou de um programa federal e ficou 1 mês em Porto das Trincheiras (AL). "Não fazia ideia de que o Brasil era daquele jeito. Que havia cidades sem médicos, onde as pessoas moram em barracos e defecam lá dentro mesmo por falta de banheiros." Depois, foi para Lucas do Rio Verde, (MT), cidade de 40 mil habitantes. "O salário era o mesmo de São Paulo, sem trânsito e menos trabalho. Fiquei 1 ano. Aí disseram que iam cortar 30% do meu salário. Fui embora. Se tivesse feito dívida, comprado casa, teria ficado na mão dos políticos. Se o Governo fizesse um plano de carreira, como é feito com juízes, não teria problema. Mas a gente vai sem carteira assinada."


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